sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Sobre sorrisos bobos e alunos...



Hoje, ao observar meus alunos - que, sem reclamar (muito), montavam e desmontavam quebra-cabeças com frases no Past Simple às 8 da manhã -, percebi um sorriso bobo que me escapou dos lábios. Involuntariamente, lá estava eu, com a alma e os olhos sorrindo.

As meninas da frente também viram meu sorriso bobo, e logo fizeram um "Aaaahhhh! A professora 'tá apaixonada!" (aquele ahhhh irritante que só adolescente sabe fazer...), e me perguntaram se eu tinha namorado. Respondi que não, mas acho que elas não se contentaram com a resposta, e ficaram dando risadinhas (que, na verdade, são mais irritantes do que o ahhhhhh).

No fundo, a pergunta delas é que foi errada. Deviam ter me perguntado se eu estava apaixonada, e então teriam seu esperado sim como resposta.

Essa manhã, ao olhar pr'aqueles projetos de adultos trabalhando em grupo, sorrindo e desfrutando desse tempo tão precioso que é a infância/adolescência (embora eles fiquem putíssimos quando os chamo de crianças...), senti o quanto sou apaixonada pela minha profissão. Sou apaixonada pelo fato de, a cada dia, ter experiências diferentes. Apaixonada por poder aprender a cada segundo, e de ter aprendido tanto nesses últimos 10 anos. Apaixonada pelos olhinhos curiosos e cheios de vida. Apaixonada até pela carinha de gato de botas que eles fazem quando grito com eles, ou lhes dou uma bronca.

Hoje um aluno do 9° ano (que ontem me abraçou, ergueu e me girou pelos ares) me perguntou quando eu tinha escolhido ser professora, e se eu dava aula por necessidade ou por opção. Contei que aos 4 anos já dizia que seria professora quando crescesse. Quanto à opção, claro que sou professora por opção, afinal de contas, tem sempre a opção de passar fome. Ou então largar tudo e ir fazer outra coisa. E pra quem acha que é impossível, mostro minha língua todo preta de café e digo que é mentira!

Há 3 anos eu optei por parar de dar (vender) aula. Assim, como quem resolve virar pra direita em vez da esquerda, pedi exoneração de um concurso e lá fui eu tentar outros caminhos [e, for the record, também meio que passei fome]. Reza a lenda que todos os caminhos levam a Roma... Pois bem, a docência deve ser minha Roma, porque não adiantou de nada querer fugir, que lá foi a estrupícia atrás de mim!

Ser professora é meu modo de estar no mundo... Embora eu tenha reclamado no último post que havia esquecido quem é a Patrícia, não sei existir sem a Professora Patrícia (só quando me torno a aluna Patrícia, mas aí é outra história...). Mas enfim...



Devia ter dito pras alunas (e seu irritante ahhhhhh) o quanto estava apaixonada por elas, e por eles, e pela educação. Mas acho que o abraço coletivo no final da aula foi o suficiente pra dizer que os adoro.

Oi? Sim, eu sei que amanhã vou sair da escola querendo quebrar alguns pescocinhos (como saí de uma das turmas da tarde...), mas procuro viver um sentimento por vez... Ou melhor, tento me abastecer dos bons sentimentos pra poder superar os ruins.

Quem não me conhece bem é capaz de achar que eu tenho uma visão pollyaninha da estrela da educação... Ledo engano, meu bem! Nem da educação, nem do sistema educacional, nem dos alunos, nem de qualquer diabo que seja. Tenho muitas críticas a fazer para tudo, inclusive para mim mesma (que, ultimamente, não tenho sido a melhor professora que posso), mas isso não me impede de olhar apaixonada pra uma menina de 11 anos que sorri com os olhos quando descobre, sozinha, que o not deve vir depois do verbo auxiliar; e que sorri com os lábios pr'aquele garoto de cabelos encaracolados, do qual ela sonha ganhar um beijo.

É como viver nessa selva de pedra, rodeada pela poluição, pela sujeira e pela pobreza, e me recusar a apreciar uma árvore ao pôr-do-sol. Vivemos nos equilibrando entre os sorrisos e as lágrimas sim, mas não podemos deixar de sorrir só porque, uma hora ou outra, teremos que secar nossos rostos...

Essa semana reli o "Uma professora fora de série", de Esmé Codell . O livro é o diário de uma professora no seu primeiro ano lecionando. Esbarrei nele no início do ano, assim que voltei a lecionar. Foi um presente dos deuses pra mim. Sempre que sinto minha fé na educação ser abalada, corro pra ele. Como um tipo de Bíblia, da qual pegamos as palavras para os momentos de descrença. Mme. Esmé se tornou minha salvadora. Se você é professor/a recomendo que corra e compre, e leia ao menos uma vez por mês. Se não é professor/a, recomendo-o da mesma forma. É uma leitura gostosa, onde cada palavra carrega nos ombros uma emoção e um sorriso.

No dia em que escrevi esse post, li (logo depois) a passagem que transcrevo abaixo. Um pequeno aperitivo pra você saber como é o livro.

"Eu não interfiro muito. Não deveria ser tão antropológica com relação a isso, mas sou. Apenas deixo que elas passem pelas dificuldades da infância, como eu passei, e tento aconselhá-las a fazer escolhas com as quais possam viver mais tarde. Fico tão exausta, tão esgotada o dia todo. Minha vida toda é diferente. Quando alguém me pergunta: "Como foi seu dia?", nunca sei o que responder. Tenho trinta e um dias a cada dia, um dia diferente com cada criança. Um dia bom com o Ruben, um dia difícil com o Billy... é demais. As pessoas falam sobre recompensas e gratificações do ensino, mas não dizem que ensinar é como entrar para um monastério ou ir para o inferno ou ser sonâmbulo ou ter medo, ter medo como quando se é pequeno. Não dizem o que se sente quando se fica tonto em uma sala cheia de crianças, ou o que se sente quando se segura o corpo de crianças se debatendo, odiando, cuspindo, brigando. Não dizem o que se sente quando se ouve "eu te odeio!", ou o que se sente quando se diz "Tudo bem, eu ainda amo você!". Hoje em dia, nas aulas de pedagogia, as pessoas dizem: "Você tem que ser tudo pra eles: orientadora, mãe, amiga...". Não quero bancar a mãe, não posso bancar a mãe. Elas precisam de uma mãe de verdade. E precisam de uma professora de verdade."
(CODELL, Esmé. Uma professora fora de série. Rio de Janeiro: Sextante, 2004 p. 126-127)

Amanhã, mesmo que eu não queira, terei que bancar a mãe. Durante uma manhã normal, terei 130 manhãs diferentes. Serão 130 alunos que me trarão suas histórias servidas no café da manhã que não tenho tempo de tomar. Fico pensando: por que eu? Dentre tantas pessoas no mundo, por que eu fui escolhida pra participar da vida de tantas pessoas?

Esses dias, enquanto fumava um cigarro antes de entrar no shopping, escutei um "What's your name?" Olhei para o lado, e o rapaz repetiu: "What's your name? Patrícia, não é?". O rosto dele não me era de todo desconhecido, mas estava perdido no arquivo de tantos outros rostos que meus olhos já presenciaram. Diante da minha evidente cara de ponto de interrogação, ele me disse que fui sua professora há 6 anos atrás! SEIS ANOS! E ele ainda lembrava de mim, e do meu nome e até da matéria que eu lecionava. Ali estava aquele homem, de terno, me mostrando com um sorriso o motivo de eu acordar todos os dias e ir para a escola: pra poder, daqui a algum tempo, ver que o esforço não foi em vão, e que não fiquei perdida num livro cheio de pó de giz.

Talvez, dar aula seja como plantar árvores. O trabalho é diário, e os resultados não são imediatos. Leva anos até que uma boa árvore cresça, mas quando ela cresce, não há nada melhor do que sentar em sua sombra, e saborear seus frutos...

Patrícia Pirota
Maio de 2010

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Esse post faz parte do resgate que estou fazendo do blog antigo, numa vibe "Recordar é viver".
Muitos dos hábitos, sentimentos ou opiniões podem não representar mais a pessoa que sou, mas fazem parte da pessoa que fui, de modo que serão integralmente reproduzidos.

7 comentários:

  1. Fui sua aluna há uns 4 anos atrás nl Oswaldo e tenho que te contar que até hoje sou apaixonada por livros por sua causa, e que continuo acompanhando seu canal e blog desde que descobri que tinha um. beijoss

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  2. Vivemos a docência. Não é um estado, é um ser... Tão bom e cruel ao mesmo tempo, né?! Bom ler meus pensamentos nas palavras de outra pessoa. Excelente texto, leitura agradável! BJ, mulher!

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  3. Acho lindo seu amor pela profissão, por ser professora!
    Me formo no fim de 2017 e logo terei a experiência como professora oficialmente.. Por enquanto só tive durante o estágio mesmo!
    Super beijo!

    www.mergulhandoemletras.com.br

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  4. Oi, Pati!

    Que coisa linda! Eu, que começo a dar meus passos no curso de Letras e a encarar o professorar como profissão, sinto-me mais empolgado com exemplos como o seu. Muito obrigado por nos inspirar cada dia mais!

    www.resenhistadeplantao.blogspot.com

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  5. Eu tenho um blog e escrevi recentemente sobre a minha fuga da profissão. Tenho te acompanhado e você tem me inspirado muito a voltar. Se tiver um tempo e interesse, dá uma olhada. Um beijo. http://aartedehistoriar.blogspot.com.br/2016/11/nao-vou-me-adaptar.html

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  6. Oi! Tudo bem? Obrigada por além de ser uma professora apaixonada, dividir esta paixão conosco.

    O que você tentou fazer neste intervalo? Gostaria, se não estou sendo invasiva, de saber como foi esta outra experiencia. bjs

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  7. Belo texto, Patrícia! Não fui teu aluno,mas agora já me sinto como se fosse!

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'Brigada por ter me dado um 'cadinho do seu tempo!
Assim que possível, respondo, viu!
Beijo procê!