sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Terapia da professora #1

"A maior das realizações é passar a vida fazendo o que importa. O ensino é importante."

Cena do filme "Sociedade dos poetas mortos
Quando fui escolher minha profissão (num longínquo século XX), me vi cercada por um mar de possíveis escolhas. Havia as clássicas (Medicina, Direito, Administração), as que davam dinheiro (Engenharias), as moderninhas (Jornalismo e Publicidade) e as que causavam pena na maioria das pessoas (Licenciaturas).

Minha mãe queria que eu fizesse Medicina ("Quero minha filha realizando meu sonho!"). Meu pai, Administração ("Tem que fazer o que dá dinheiro!"). Meus parentes, Engenharia ("Você é nerd!"). Eu... Bom, eu queria mesmo era ser escritora/atriz/cantora, ter uma casa no campo e plantar meus sonhos...

Poucos dias antes da inscrição do vestibular, lembrei que, desde pequenina, as pessoas mais influentes em minha vida [depois de minha família] foram meus professores. Cada um a seu modo, me ensinaram não só sobre equações, sintaxe, briófitas e velocidades médias; eles me ensinaram sobre a vida. Aquelas pessoas, em frente ao quadro, me inspiraram e me guiaram, ainda que não soubessem exatamente o tamanho de sua influência sobre mim.

Ao marcar no quadradinho de Letras - Licenciatura, eu esperava poder um dia ser tão importante pra alguém como meus mestres foram pra mim. Afinal de contas, o ensino e a aprendizagem - estejam eles dentro da sala de aula ou não - são o que move o mundo.

Mesmo sofrendo preconceito por conta de minha escolha, e vendo o quão desvalorizados eram aqueles indivíduos que tinham a bondade de compartilhar comigo o saber que adquiriram ao longo dos anos, eu resolvi que faria parte daquele seleto grupo de pessoas que ficavam em pé sobre suas mesas, e tentavam fazer com que outros pensassem além do lugar-comum.

Sim, Mr. Keating foi um dos principais responsáveis por minha escolha. Sociedade dos poetas mortos talvez seja o filme que mais assisti nessa vida. No início, pra aprender com Mr. Keating e seus discípulos. Nos últimos anos, pra não deixar de acreditar no quanto minha profissão é importante.

É muito triste ver professores se arrastando, trabalhando como quem vai pra guerra ou qualquer coisa que lhes tire a vida. Olho meus companheiros e sinto pena por não terem feito outra escolha; ou então, por não terem abandonado o barco ainda.

Reza a lenda que os professores são desvalorizados... E eu arrisco a dizer que os primeiros a desvalorizarem os professores são eles mesmos. Vejo semanalmente dezenas de colegas rezando por um feriado prolongado, pedindo que um raio caia em suas cabeças, sentados lendo um livro em voz alta como se aquilo fosse uma aula...

Eles reclamam do salário, dos alunos, da coordenação, da direção, do sistema, das provas... Reclamam como se reclamar adiantasse alguma coisa.

Sim, eu também me canso às vezes. Eu também reclamo às vezes, mas porque sou humana e não descontente...


Eu vejo a minha profissão como a mais importante de todas, como aquela que leva aos demais caminhos. Me vejo como uma figura tão ou mais importante que um chefe de estado. Por quê? Porque eu carrego aquilo que um povo tem de mais importante: sua cultura.

Faço com que minhas aulas de História da Arte e Literatura sejam tão importantes quanto qualquer outra disciplina. Por quê? Porque elas são. Elas são tão importantes quanto eu. E ninguém vai me tirar o direito e o dever de mostrar o quão necessário e importante é o ensino.

Se você está no time dos professores que já não veem mais importância no que fazem, tem duas alternativas: pedir pra sair ou mudar sua mentalidade.

Não sei se você percebeu, mas, em uma mísera aula de cinquenta minutos, você pode mudar a vida de 30, 40 jovens de uma vez! Você, ali, em frente ao quadro, é tão importante quanto qualquer artista! Não se deixe ficar como figurante.

É difícil? É cansativo? MUITO! Mas você escolheu, e suas escolhas dentro de sala não afetam apenas você, mas seus alunos também. E eles são o nosso legado. São eles, cada um deles, que irão continuar nosso trabalho no mundo.

Você tem certeza de que quer passar o resto da vida "cumprindo tabela"? Há tantas ocupações por aí... Se não vê mais importância na docência, escolha uma das outras milhares de profissões que estão ao alcance das suas mãos. Tenha a coragem e a decência de desistir.

"Ah, falar é fácil!", você me diz... Uhum... Falar é fácil mesmo. E eu não só falo, eu já fiz.

Em 2007, eu completava 8 anos em sala. Estava cansada, sobrecarregada, carrancuda. Ia pra escola como quem ia pra uma reunião de condomínio: obrigada, e sem perspectivas de melhora... Era concursada do Estado, tinha estabilidade... Estava naquela zona de conforto perigosa do funcionalismo público.

Quando percebi que não dava mais importância pra minhas aulas. Quando olhei no espelho e vi que aquilo não me preenchia mais, fui lá e chutei o balde. Pedi exoneração, larguei todas as minhas aulas e fui morar a mais de mil quilômetros de distância.

Como eu tinha passado a vida dando aula, não sabia fazer mais nada... Fui então trabalhar de vendedora numa loja de camisetas. Depois, recepcionista de uma empresa de internet. Eu não conseguia ver importância no que eu fazia... Era vazio. Serviço pra cumprir tabela e salvar a grana da janta e do aluguel. Eis que encontrei o Mestrado no meio do caminho, e ele mudou minha vida. Mas isso... Isso é uma outra história...

Fiquei três anos fora da sala de aula, e quando voltei, era como se eu fosse a Dorothy voltando pra casa e alegremente dizendo "There's no place like home"... Meu afastamento me fez enxergar que aquele era meu lugar, e que era sendo professora que eu faria a diferença no mundo.

É fácil? Não! Eu fico cansada? Todos os dias! Eu estou realizada? Sim. Eu estou feliz? Sim. E sabe por quê? Porque ensinar é importante, e eu faço parte de algo importante.

Espero que você também esteja feliz, querido professor... Se não, existem milhares de outras coisas que você pode fazer pra fazer a diferença nesse mundo. É só escolher uma delas. ;)

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Esse post é o 1º de uma tag intitulada "Terapia da professora", que irá ao ar toda sexta-feira. As citações que iniciam os posts são retiradas do livro "Terapia do professor", de Karen Katafiasz (Editora Paulus). Para cada frase, eu irei escrever um texto [com minha interpretação ou com minhas histórias] que a ilustre.

Espero que possamos refletir juntos (professores ou não) sobre a docência e o ensino... E você é meu convidado para deixar suas reflexões nos comentários, viu!

Beijo procê!

7 comentários:

  1. Olá,
    vou prestar vestibular para Letras domingo.

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  2. Muito bacana seu "novo" blog Patrícia, à respeito da sua profissão é umas das mais belas e deveria ser a mais respeitada, pena que não é. Tenho propriedade no que digo, afinal, minha avó, mãe e irmã são professoras, haha. Adorei o blog e já estou seguindo!
    Grande abraço e que a força esteja com você!
    http://www.paradageek.com/

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  3. toda vez que falo que curso História, bem, 'sabe como é né', aquele olhar 'coitado' que lançam sobre a gente,mas aí eu penso 'sabe de nada inocente'
    Gabriel Birkhann
    twitter.com/gabrielbirkhann

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  4. Eu sou total assim como você Patricia, já passei por diversas empresas e empregos, nunca me encaixei e nunca fui feliz, por isso vou prestar vestibular para Letras.

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  5. Formei ano passado em Letras! amooooooooooooooooooooooooooooooooooo

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  6. O importante é não ter medo de mudar e fazer algo que te preencha tanto como pessoa quanto como profissional.

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  7. Gostei demais!!!! 18 anos como professora de Língua Portuguesa e também ainda ouso me apaixonar e despertar paixões pela vida, pelo conhecimento e pela poesia que há em tudo isso. Beijos!

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'Brigada por ter me dado um 'cadinho do seu tempo!
Assim que possível, respondo, viu!
Beijo procê!