quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A menina e os outros

Numa manhã cinzenta,
tão cinzenta quanto os pensamentos mais tristes
que se possa imaginar,
andava pelas ruas molhadas
uma menina cheia de cor.
Ela sorria para os pássaros,
se encantava com os galhos secos das árvores
nuas de primavera
e cantarolava em Sol maior uma melodia de esquecimentos.
Aquela menina sabia que era preciso continuar
apesar de
apesar deles
a pesar desencantamentos poéticos na balança da vida.

Os outros
cujos passos apressados matavam formigas no caos
Os outros
cujas retinas fatigadas já não enxergam a beleza das sombras
Os outros
cujos corações cansados batiam lentamente como numa valsinha triste
Esses não entendiam por que é que aquela menina
carregava consigo um arco-íris
Não entendiam porque não sentiam.
E não há entender sem sentir.

A menina sentia.

Sentia as cores de um pôr do sol de outono
Sentia a brisa morna de uma manhã de verão
Sentia as gotas fagueiras das chuvas de março
brincando nas calhas de roda do coração

A menina entendia que o mundo era mais
do que aquilo que ela podia ver
do alto de sua meninice
Ela entendia que o mundo inteiro
cabia no abraço apertado da vó
ou no pão quentinho devorado nas manhãs preguiçosas de domingo

A menina, no alto de sua pureza,
enxergava a vida com os óculos do bem-me-quer
Enquanto os outros fugiam de si mesmos nas noites solitárias
de um boteco qualquer.

A menina um dia cresceu
e teve que esconder seu arco-íris
debaixo da pontinha do nariz
pra modo de poder se misturar com os outros
que jamais entenderiam como gente grande pode andar por aí
com mania de poesia.

Patrícia Pirota
Setembro de 2015

Um comentário:

  1. Oi Patrícia, tudo bem? Faz algum tempo que te acompanho, e é a primeira vez que me manifesto rs.
    Que coisa mais linda e delicada é essa poesia, me lembra um pouco o jeito da Cora Coralina escrever, enfim me sinto muito feliz em ler seu blog. Um abraço o/

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'Brigada por ter me dado um 'cadinho do seu tempo!
Assim que possível, respondo, viu!
Beijo procê!