segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

"Viver e não ter a vergonha de ser feliz..."

Companhia Musical [Clique no nome da música e veja o clipe]
O que é, o que é - Gonzaguinha
Ensaboa e Quantas Lágrimas - Marisa Monte e Pastoras da Velha Guarda da Portela [Tia Doca, Tia Surica e Tia Eunice] [Um dos vídeos mais lindos dessa vida!]
Gracias a la vida - Mercedes Sosa
Non, je ne regrette rien - Cássia Eller

Companhia Literária
"Há impossibilidade de ser além do que se é - no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu, quase normalmente - tenho um corpo e tudo que eu fizer é continuação de meu começo. [...] A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais...." [Clarice Lispector in A Paixão segundo G.H.]


Sabe aqueles dias em que você acorda sorrindo? Dá aqueeeela espreguiçada na cama, e ao passar pelo espelho dá aquele sorrisão largo e gostoso? E então sente o cheirinho do café quentinho saindo do coador, senta pra ver o sol, e sorri?

Mas eu não estou falando da sensação de alegria produzida por algum acontecimento bom [e nem por algum psicotrópico, que fique bem claro]. Há dias em que a gente acorda sorrindo porque recebeu uma promoção no emprego. Porque conseguiu terminar uma tarefa há muito em execução. Porque teve uma boa noite de sono. Porque teve uma boa noite de amor. Porque o filho disse a primeira palavra [embora incompreensível para os falantes de língua portuguesa, mas linda na língua dos pais]. Porque é aniversário da mãe. Não, eu falo daqueles dias em que você sorri pelo simples [e tão complexo] fato de estar vivo.

A gente vive uma vida de atleta, mesmo sem se dar conta. Como se todos os dias tivesse que correr uma maratona com barreiras. E vai, com a força máxima, pulando os obstáculos, sem olhar pros lados, ganhando medalhas. Chega à noite, deita a cabeça cansada no travesseiro, e dorme como uma pedra.

E a gente se esquece de agradecer. Seja agradecer a uma entidade, a um deus, às pessoas que estão ao nosso lado, ou a nós mesmos. A gente esquece que a vida é sim uma dádiva, um presente; talvez o melhor presente que nossos pais no deram [melhor até que aquele que você pediu ao Papai Noel no alto de sua ingenuidade infantil].

Nunca li um livro de "auto-ajuda" inteiro [Atualização de 2015: Cheguei à conclusão de que o termo autoajuda é só uma classificação editorial. A leitura, em si, é um ato de autoajuda, uma vez que estamos nos ajudando a pensar e compreender melhor o mundo.]. Não que eu os despreze. De modo algum. Acho que qualquer leitura é válida desde que enriqueça e preencha a alma daquele que a lê. Mas prefiro a ajuda das personagens de livros de ficção. Prefiro aprender a não ser desconfiada do mundo com o Bentinho. Aprender que a loucura é apenas mais uma das características de qualquer humano com o Dr. Bacamarte. Aprender que muitas vezes o homem é sujo e desprezível com o homem do subsolo de Dostoiévski.

Aquela coisa de catarse, sabe? Oi? Ah, não sabe? Então... Os gregos inventaram o teatro, a tragédia e a comédia, com a intenção de ensinar valores às pessoas. Assim, sempre que um espectador visse as características de uma personagem, ele iria se reconhecer. Se a personagem fosse má, ela teria um triste fim, para ensinar aos cidadãos que as maldades são pagas com dor e morte. E ao se reconhecer na personagem, o espectador sofreria uma catarse, um sentimento daqueles que vem lá do fundo, embrulhando nosso estômago, e acende a luzinha da nossa cachola, nos fazendo refletir.

Por que falei dos livros de auto-ajuda? Porque acredito, que eles são, na verdade, uma fonte pras pessoas lembrarem daquilo que já sabem, ou daquilo que já lhes foi ensinado. Muitos discursos presentes nesses livros saíram da boca de nossos avós, de nossos pais, ou de pessoas mais sábias do que nós.

E um desses discursos é o velho [mas não caduco] "não faça ao próximo aquilo que não gostaria que fizessem com você", que aprendi com papai e mamãe desde muito pequena, e que, se eu precisasse escolher um lema de vida, ele o seria. Discurso esse também apropriado pelos "segredos editoriais".

Me parece tão simples pensar que aquilo que eu faço será refletido. Como se o mundo fosse um espelho, que reflete aquilo que fazemos a ele. Se sorrirmos pro espelho, ele devolverá nosso sorriso, ainda mais brilhante. Se metermos a mão na cara dele, ele nos devolverá o soco em forma de dor e sangue.

E há algum tempo, eu escolhi dar ao espelho sorrisos. Sorrisos de gratidão, de alegria, de aprendizado. Deixei de reclamar ao léu, pra reclamar sobre aquilo que precisa ser mudado, e ajudar a mudar. Porque, de nada adianta fazer cara feia pro problema se você não tem uma solução pra ele. É gasto de energia à toa. Assim como deixar a torneira aberta enquanto escova os dentes. É tão melhor economizar água, como economizar descontentamento.


Decidi retribuir os presentes do mundo com minha alegria. Com meu sorriso sincero de saber que estou viva, VIVA! Em constante mutação. Como uma alquimista, transformando o sofrimento e a dor em aprendizado.

Não que a gente deva tomar placebos imaginários, e viver sorrindo pra tudo. Mas é tão bom sentir, lá no fundo, que somos sortudos, eu e você, por estarmos participando da construção do mundo. Talvez nossos nomes não figurem nos livros de História de daqui a cem anos; mas ainda assim, é bom saber que a gente ajudou em alguma coisa, não é?

Que seja não atrapalhando. Que seja botando a boca no trombone e recobrando a lucidez daqueles que acham que o governo atual é o melhor que podemos ter. Que seja ensinado pra uma criança que ela deve ter respeito com os mais velhos, pois eles são sua fonte de sabedoria mais próxima. Que seja cuidando da própria vida e deixando o outro cuidar da dele.

É por isso que estou procurando uma instituição pra ser voluntária. Afinal de contas, hoje eu tenho o que sempre aleguei me faltar: tempo. E quero ajudar em algum asilo de idosos, pois acredito que eles têm tanto a me ensinar, e ao mesmo tempo, são tratados como quinquilharias. Claro que existem idosos que desonram a classe, mas isso acontece com qualquer espécie de classificação deste mundo. Mas, de modo geral, acredito que ouvir os idosos é uma forma de conhecer o passado. De saber de histórias que não vivemos, mas que tem tanto a nos ensinar.

Esse é um dos tantos outros modos que encontrei de ajudar, de fazer parte do mundo. Porque eu não posso, e não vou, ficar aqui, sentada em minha cadeira confortável, reclamando que o mundo vai de mal a pior sem fazer nada. E também não vou "chorar de barriga cheia". [como diria o mestre Pagodinho]. Afinal de contas, [in]felizmente, eu sei o que é passar fome. Eu sei o que é dormir num colchão no chão. Eu sei o que é passar frio. Eu senti na pele o que é a pobreza material. Mas nunca soube o que é a pobreza espiritual. Mesmo nos momentos em que a fome me tomava conta, me lembrava que tenho minha [in]sanidade intacta, e que sou capaz de lutar sempre, pra ser mais e melhor, e pra ajudar o mundo a ser melhor também.

Não falo isso pra me vangloriar por ter superado as tristezas e mazelas da vida, não viu. Afinal de contas, tem gente muito pior. Falo porque não sei falar sobre o mundo sem me incluir nele. E porque não consigo engolir o discurso da "minoria" de que é difícil conseguir ser alguém na vida. É claro que é difícil, uai! Ser qualquer um é fácil, é cômodo. Basta chamar todo mundo de companheiro e fingir que o país é uma grande favela. Agora, pra ser alguém, e pra se orgulhar de ser alguém, é preciso muita coragem e muito talento. Quem disse que não é preciso ter talento pra viver?!

E não é porque existem pedras no caminho, que iremos ficar cabisbaixos e casmurros esperando que alguém as retire. Vá lá e faça uma coleção de pedras. Ou então pegue as pedras e construa uma casinha pros seus sonhos. Só não deixe nunca de sorrir e agradecer. Não espere pra agradecer por sua saúde quando vir aquelas matérias sobre deficientes físicos ou doentes terminais. Não espere pra agradecer por seu alimento quando vir uma matéria sobre a fome na África. Não espere pra dizer aos seus pais que você os ama quando eles estiverem serenos deitados em um caixão.

Não espere pra viver! Viva agora! 'Tá cansado do seu cabelo? Corta! 'Tá cansado do seu trabalho? Estude mais, procure outras oportunidades! 'Tá cansado da sua vida? Reinvente-a! Só não deixe de viver, de se sentir sempre incomodado, de sempre ter perguntas, não importando se encontrará as respostas. Porque a vida, esse substantivo de uma abstração tão concreta, nos é dada quando nascemos. Mas o viver, verbo difícil, tinhoso, danado, esse precisa de um sujeito ativo que o conjugue, do contrário vira só mais uma palavra no reino distante dos verbos regulares da segunda conjugação...

[Atualizando: Ontem, no Altas Horas, o Dan Stulbach disse uma frase de seu personagem de Tempos de Paz que me parece muito propícia pra esse post: "Eu não vivi. Eu estive presente. Eu colecionei lembranças".

Achei lindo! E me deu mais vontade ainda de assistir o filme. Decidi, de uma vez por todas, que não quero colecionar lembranças. Quero mesmo é ter histórias vividas e vívidas pra contar...]

[Atualizando 2: Estava aqui, ouvindo Vinícius, e não pude deixar de relacionar o Samba da Benção com o post. Por isso, abaixo vai uma das estrofes dessa música que mais gosto. Além de ser uma das maiores genialidades do Vinícius, na minha modesta opinião...

"Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida"
[Vinícius de Moraes in Samba da Benção]

Patrícia Pirota
Agosto de 2009

Ps: Esse post faz parte do resgate que estou fazendo do meu antigo blog. Como pretendo fechá-lo, estou trazendo pra cá os textos de que mais gosto.

Um comentário:

  1. Que eu sempre me perco nos seus escritos, Pati, isso é óbvio! É bom de vez em quando levar aquela sacudidela e ver como eu to perdendo tempo apenas resmungando. Obrigado por me abrir os olhos!
    Abraços :)

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'Brigada por ter me dado um 'cadinho do seu tempo!
Assim que possível, respondo, viu!
Beijo procê!